Este documentário tem um sentido importante para mim. ‘A Ponte’ se refere a ponte do Rio Pinheiros, um ponto de partida, uma linha imaginária e simbólica que divide ricos e pobres.
Meu pai nasceu na zona leste de São Paulo, bairro da Mooca, corinthiano e pobre. Meu pai se orgulhava em contar que viveu na pobreza, conviveu com a violência, com drogas e que nunca usou nada, nunca se envolveu em crime. Meu pai se quer fumou um cigarro, conhecia a cidade inteira como poucos, trabalhou, estudou e fez a sua vida como pode. Minha família em São Paulo sempre foi bastante humilde e portanto convivi muito com esta realidade na minha infância e adolescência, mesmo tendo nascido em Santa Catarina e viver minha vida inteira aqui, sempre viajei muito para São Paulo com meu pai. Aprendi com ele a amar essa cidade tão cheia de contrastes.
Quando as pessoas ouvem hip-hop ou o depoimento de quem vive na favela, fica a percepção de que se tratam de pessoas sem vontade, sem força de reação, que só sabem fazer filhos e reclamar da desigualdade, mas se você não nasceu nesta realidade, você não pode fazer nenhum julgamento. Só quem nasce em uma realidade onde para qualquer lugar que você olhe, só se enxerga doença, pobreza, violência, descaso do poder público, sabe o poder destrutivo que isso causa, na capacidade de enxergar uma saída.
No ano passado levei minha noiva para São Paulo e ficamos em um hotel ao lado da Marginal Pinheiros, bairro do Morumbi, exatamente neste ponto de partida, entre as maiores empresas de tecnologia, agências de propaganda e outras grandes empresas. Andando pelas ruas ao redor do hotel, falei para ela: ‘- Essa não é a São Paulo que eu conheço’. Por mais bonitas que eram as ruas onde estávamos, os belos e imponentes shoppings, não me senti à vontade, não reconheci naquelas ruas a cidade que meu pai me ensinou a amar, com todos os seus problemas e a mistura do povo. Ele me ensinou a não julgar as pessoas pela sua realidade social, pela roupa que veste, pelo lugar que vive, pela origem que possui. Também fomos pobres em Santa Catarina, mas o pobre daqui é diferente do pobre de lá.
Eu já havia assistido um documentário sobre a Casa do Zezinho e a incrível história da tia Dag, mas não consigo deixar de me surpreender. A Casa do Zezinho fica exatamente entre as comunidades do Capão Redondo, Jardim Ângela e Parque Sto Antônio, que já foi chamado de ‘Triângulo da Morte’. O Capão Redondo foi considerado pela ONU na década de 90, o lugar mais perigoso do mundo. E exatamente no meio deste ‘triângulo do esquecimento’ que está a sede da Casa do Zezinho.
Este documentário mostra uma inteligência, um manual de sobrevivência, uma malandragem, que só quem vive o problema sabe. Pare uma hora do seu dia e veja um projeto que realmente tem uma função social. Vivemos cercado de programinhas humorísticos, programas de auditório, novelas e infelizmente, projetos tão belos como este, não aparecem tanto quando deveriam. Mas você tem escolha, na ponta do dedo e no espaço de um clique.
Existem inúmeras frases emblemáticas durante todo o documentário como:
“A ponte do Rio Pinheiros, virou um muro de Berlin, para separar o rico do pobre”
Mano Brown do Racionais Mc’s, diz que é um muro bem pior que o de Berlin, pois lá a divisão era entre territórios, aqui a divisão é social. Vale lembrar que a divisão erguida durante a guerra fria, separava capitalistas de socialistas, o que mais tarde também acabou se transformando em uma divisão social, diante do desenvolvimento da Alemanha Ocidental e a estagnação da Alemanha Oriental.
“Como não vai dá? Tem que dá meu. Pro preto, pro favelado, pro pobre não tem essa história de não dá, não dá não existe, tem que dá ou então não sobrevive”
Isso é muito pertinente e emblemático, estamos tão acostumados a julgar, a reclamar, a esmorecer. Então você percebe que a única vantagem de estar no fundo do poço, é saber que não tem como descer mais. Então o caminho é só para cima.
“Construímos muros demais e pontes de menos”
Essa frase foi dita por Isaac Newton. Lembrei de Várias Variáveis, cd lançado em 1991 pelos Engenheiros do Hawaii, segundo o próprio Humberto, seu trabalho mais paulista. O álbum traz a canção Muros e Grades, que diz assim:
Então erguemos muros que nos dão a garantia
De que morreremos cheios de uma vida tão vazia…
Nas grandes cidades de um país tão violento
Os muros e as grades nos protegem de quase tudo
Mas o quase tudo quase sempre é quase nada
E nada nos protege de uma vida sem sentido…
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