Não me recordo ao certo o que me levou a conhecer o álbum Acabou Chorare, provavelmente uma entre milhares de referências na internet, sobre este incrível trabalho dos Novos Baianos. Confesso que já fui extremamente preconceituoso quanto ao trabalho deles, principalmente por essa coisa hippie dos anos 70.
A banda teve início ainda na Bahia, com a participação de Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor, Baby Consuelo, Moraes Moreira, Luiz Galvão, Dadi e Jorginho Gomes. O grupo durou apenas dez anos. De 69 a 79. Viveu de maneira quase anárquica, em pleno regime militar. Após um álbum e dois compactos, o que hoje chamaríamos de EP, lançou o álbum ‘Acabou Chorare’, considerado pela revista Rolling Stones como o melhor álbum brasileiro já lançado. Não acho este tipo de classificação relevante, mas de qualquer forma demonstra a sua importância para a música brasileira.
Entre as canções do álbum de 1972, está a indefectível ‘Mistério do Planeta’, que segundo o que reza a lenta, faz inúmeras referências científicas. Eu pesquisei bastante na internet, tentando encontrar referências sobre isso, para fundamentar estas explicações, não achei nada mais técnico ou documentado, então não posso garantir que a música realmente faz referência a estes acontecimentos. Quer conhecer a música e suas referências? Vamos lá…
Mistério do Planeta
(Novos Baianos. Acabou Chorare. Som Livre, 1972)
Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso,
Jogando meu corpo no mundo,
Andando por todos os cantos
(O eu lírico não apenas explora esse aspecto da imutabilidade do tempo, como também se embasa nas teoria da Relatividade de Einstein, em ‘andando por todos os cantos’, refere-se ao fato de que não podemos andar por todos os cantos sem que tal asserção seja puramente relativa, ou seja, em um universo paralelo onde seja possível sair andando pelo teto, sem que tal comportamento seja classificado como anormal).
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto
(Descreve o princípio da ação e reação, embasada nos conceitos básicos da física Newtoniana)
E passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas,
(Aqui uma referência a astrofísica renascentista, quando se descobriu o mistério da rotação do planeta através da observação dos astros ‘aos olhos nus ou vestidos de lunetas’)
Passado, presente,
Participo sendo o mistério do planeta
(Aqui temos a referência aos parâmetros clássicos de não-linearidade temporal, presente nos pensamentos de filósofos gregos, pré-aristotélicos, tendo sido modificado pela visão ocidental de tempo como uma seta linear rumo ao futuro)
O tríplice mistério do “stop”
Que eu passo por e sendo ele
(O tríplice mistério do stop, seria uma referência as três fases da vida humana: nascer, crescer e morrer)
No que fica em cada um,
No que sigo o meu caminho
(Aqui muito provavelmente, se refere ao que restará em cada um de nós, no fim de nossas vidas e a sequência do caminho, a vida após a morte)
E no ar que fez e assistiu
(Referência a Deus? Que fez o ar e que nos observa o tempo todo)
Abra um parênteses, não esqueça
Que independente disso
Eu não passo de um malandro,
De um moleque do brasil
Que peço e dou esmolas,
(Agora um detalhe importante, após todas essas refências, abra um parênteses para lembrar que ele não passa de um ser humano como outro qualquer, com seus problemas, defeitos e mortalidade)
Mas ando e penso sempre com mais de um,
Por isso ninguém vê minha sacola
(Andar e pensar com mais de um cérebro, ou pensamento, mostrando que não existe apenas uma única forma de acreditar ou ver a vida e o mundo)
Composição: Luiz Galvão e Moraes Moreira
O início, o auge e o fim
A história do grupo começou em 1969 com o espetáculo ‘O Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio Universal’, no Teatro Vila Velha, em Salvador, Bahia, onde pela primeira vez juntos, se apresentaram Luiz Galvão, agrônomo formado, Paulinho Boca de Cantor, ex-crooner da “Orquestra Avanço”, popular nas noites de Salvador, Moraes Moreira, a única não-baiana do grupo, a niteroiense Baby Consuelo, e Pepeu Gomes. Moraes Moreira foi apresentado a Tom Zé, que era amigo de Galvão. Baby Consuelo conheceu os dois (Moraes e Galvão) em um bar, enquanto passava as férias em Salvador. Mais tarde, Paulinho Boca de Cantor conheceu os três, e se uniu a eles. Dos membros que formariam o grupo mais tarde, apenas Pepeu Gomes era músico e havia passado por diversas bandas. Nas apresentações em palco e gravações, o grupo era inicialmente um quarteto, acompanhado pelo grupo ‘Os Leifs’, que depois teve seu nome mudado para ‘A Cor do Som’, do qual faziam parte o baixista Dadi, o baterista/percussionista baxinho José Roberto Martins Macedo, o guitarrista Pepeu Gomes e seu irmão baterista, Jorginho Gomes. Pepeu Gomes se casou com a vocalista da banda, Baby Consuelo e é incorporado definitivamente ao grupo ao lado de Moraes Moreira, colabora de maneira como arranjador musical do grupo.
Em 1969 se inscreveram para o V Festival de Música Popular Brasileira com a canção ‘De Vera’. A origem do nome surgiu em decorrência a uma apresentação na Rede Record, quando ainda sem nome definido para o grupo, o coordenador do festival, Marcos Antônio Riso gritou ‘Chama aí esses novos baianos!’. Os Novos Baianos nunca foram controlados por gravadoras e empresários, tanto que, quando foram para São Paulo, se apresentaram em diversos programas de televisão, extrapolando o tempo previsto.
O primeiro empresário do grupo foi Marcos Lázaro, e a primeira gravadora foi a RGE, onde lançaram um compacto simples, ‘De Vera’/’Colégio de Aplicação’. Em 1970 o primeiro long play, intitulado ‘É Ferro na Boneca’, que além de trazer as canções do compacto, foi tema dos filmes ‘Caveira My Friend’ e ‘Meteorango Kid’. Apesar de tudo, o número de cópias vendidas do disco não foi tão extensa.
Com a desclassificação de ‘Vera’ do Festival da Record, Os Novos Baianos resolveram seguir para o Rio de Janeiro. Lá, moravam todos juntos em quatro cômodos
Em 1971, gravaram o segundo compacto simples, ‘Volta que o Mundo dá’, recebendo a visita de João Gilberto. Após a grande fusão de gêneros brasileiros, sugerida por João Gilberto e a guitarra de Pepeu Gomes, surgiu o mais consistente e lembrado disco do grupo, ‘Acabou Chorare’, pela Som Livre, considerado o melhor álbum brasileiro da história segundo a revista Rolling Stone.
Em Jacarepaguá, alugaram um sítio apelidado de ‘Sitio do vovô’. Viviam de forma quase anárquica em pleno regime militar. Em uma nova gravadora, a Continental, lançam seu terceiro álbum de estúdio, Novos Baianos F.C., com inovações rítmicas e líricas. O disco ganhou um filme homônimo de Solano Ribeiro. Os Novos Baianos se mudam novamente, desta vez para uma fazenda em São Paulo, a convite de um executivo da Continental. Lá gravaram o quarto disco, ‘Novos Baianos’, mais conhecido por ‘Alunte’. O disco não vendeu tanto quanto os anteriores, o que levou ao desentendimento com a gravadora.
A crise começou, Moraes Moreira, principal letrista da banda resolveu partir para a carreira solo. Desfalcados de Moraes Moreira, letrista principal ao lado de Galvão, o grupo faz de Pepeu Gomes o exemplo instrumental. O disco seguinte, Vamos pro Mundo, foi lançado ainda em 1974 pela Som Livre e tinha como foco as faixas instrumentais em choro, baião e samba. Em 1976, o grupo assina seu contrato mais longo, de dois anos com a gravadora Tapecar. O primeiro álbum na gravadora, ‘Caia na Estrada e Perigas Ver’, investiu no samba, rock e pandeiro e ‘Brasileirinho’ de Waldir Azevedo. Em 1977 lança ‘Praga de Baiano’, já enfraquecidos pelo processo inicial das carreiras solo de Paulinho, Pepeu e Baby. O disco trazia o trio elétrico, frevo, e bastante música instrumental. Tornaram-se atração dos trios-elétricos e Baby Consuelo foi a primeira cantora desse tipo de evento.
O último trabalho, ‘Farol da Barra’, pela CBS, homenageia os compositores Ary Barroso e Dorival Caymmi, regravando ‘Isto Aqui O Que É?’, e ‘Lá Vem a Baiana’. O principal destaque do disco era a faixa-título, uma parceria entre Galvão e Caetano Veloso. No ano seguinte o grupo encerra suas atividades.
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