O Brasil possuia em 2011, uma população estimada de 192.376.496 de habitantes. Subtraia deste número 192.376.485 e você chegará ao número de brasileiros que já chegaram ao lugar mais alto do mundo. Somente 11 brasileiros conquistaram esta façanha até o momento, nesta lista incrivelmente seleta, está Rodrigo Raineri.
Conheci Raineri em Campinas/SP, cidade onde reside. Com ele peguei uma ‘carona’ até Atibaia/SP. No breve trecho entre as duas cidades, me sentia privilegiado de estar diante de um dos maiores alpinistas do país e do mundo, mas minha admiração por ele só aumentaria com os acontecimentos que viriam a seguir, feliz ao perceber que se tratava de uma pessoa muito simples. Durante os três dias da 18a Clínica de Pilotos e Instrutores de Parapente que acontecia em Atibaia, a qual fui produtor e ele palestrante, pude presenciar sua simplicidade na prática. No último dia de evento, perguntei se ele conseguiria um livro para mim, ele respondeu que sim. Enquanto ele autografava seus livros, via a pilha diminuir rapidamente, corri para dizer:
– Raineri, será que sobrará um livro para mim?
– Não esqueci de você não. Respondeu.
Eu poderia comprar seu livro em alguma livraria, mas quando poderia estar novamente na sua presença? Não achei que ele lembraria em meio a tanta correria. Pouco tempo depois, pelas mãos de Luciano (Presidente da ABP – Associação Brasileira de Parapente), recebi um exemplar do livro, para minha felicidade, com uma dedicatória.
No final do evento, foi Raineri que novamente fez nosso translado: Atibaia – Campinas. Pude conviver um pouco mais com ele e até conhecer a sede da Grade6, sua empresa especializada em treinamento e na produção de expedições em montanhas. Lá conheci a roupa original usada por Raineri em sua última conquista do Everest, que privilégio. Chegando em casa, não conseguia pensar em outra coisa além de iniciar logo a leitura de ‘No Teto do Mundo’.
Nas primeiras páginas, uma carta escrita por Raineri, datada de dezembro de 2001, durante sua escalada pela face sul do Aconcágua, Argentina, destinada ao seu filho. Deveria ser entregue caso ele não retornasse de sua empreitada. Com esta densidade o livro é escrito, em relatos que se entrelaçam costurando as experiências vividas por Raineri. Neste quebra-cabeça você passa a entender como é moldado o pensamento de alguém que convive constantemente com a possibilidade da morte e o que justificaria assumir tamanho risco.
Em cada capítulo dos 17 que compõem o livro, Rodrigo narra as vivências extremas de suas expedições, misturando relatos, indo e voltando no tempo. O que poderia se tornar confuso é na verdade a única forma de organizar todas as lembranças que acumuladas determinam a capacidade de um alpinista enfrentar as condições mais extremas.
A cada página lida, o leitor faz o que Raineri chamaria de ‘aclimatação’. Da mesma forma que o corpo de um alpinista precisa se adaptar as condições extremas impostas por uma montanha como o Everest, o leitor se adapta, conhecendo os termos técnicos, aceitando os duros relatos, entendendo e aceitando as motivações de cada alpinista. Diante desta realidade tão distante, talvez mais distante que o próprio Everest, na longínqua Cordilheira do Himalaia, entre o Tibet e o Nepal. Em pouco um BC, ABC, C1, C2, C3, crampons, crampon point, glaciar, sherpa, se tornam palavras comuns.
Raineri não usa meias palavras em seus relatos e por vezes, a simples leitura já se torna angustiante, o que dizer de vivenciar de fato certos acontecimentos. Encontrar corpos de alpinistas pelo caminho, congelados pela eternidade, perder o companheiro de expedição para a montanha e ainda assim continuar firme em realizar a mesma coisa que tirou a vida destas pessoas. Morrer em uma expedição pode lhe transformar em herói ou idiota. A história de Christopher McCandless eternizada no filme ‘Na Natureza Selvagem’, divide opiniões. Enquanto alguns o consideram um herói por perder sua vida em busca de um ideal, para outros se trata de um idiota completo, por poder evitar a tragédia caso tivesse planejado melhor suas atitudes.
No Everest existem inúmeras histórias diferentes. Existem aqueles que morreram pela falha de um Sherpa, os que morreram por superestimar a própria resistência, os que morreram por um capricho mórbido da natureza e ainda os que morreram por escolhas erradas ou pura imprudência. Fato é que, desafiar a morte é para poucos. Conquistar o Everest é muito mais do que subir até ‘o teto do mundo’, é a capacidade de lidar com o inesperado a cada cinco minutos, é ter capacidade de equalizar a superação dos limites, entender o linear entre vida e morte, é entender o quão forte e o quão frágil podemos ser ao mesmo tempo, é entender o poder de uma decisão determinar seu futuro, que no caso do Everest pode representar a diferença entre voltar ou ficar por lá eternamente.
A magnitude dos feitos conquistados por Raineri são tão especiais que o simples fato de compartilhar sua história de vida através de seu livro, já faz me sentir alguém diferente. Muitas vivências que passamos em nossa vida, possuem um poder de atuação muito breve, quase insuficientes para causar alguma mudança permanente, porém, tenho certeza que certas palavras escritas por Raineri em ‘No Teto do Mundo’ me acompanharão para o resto da vida.
Raineri realmente tinha uma grande história para contar e estou feliz por conhecê-la. Queria agradecer pessoalmente ao Rodrigo Raineri, pelo seu convite de viajar com ele por estas histórias e fotos, me senti parte de tudo.
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