Precisamos falar sobre o Kevin

Poucos dias após assistir ‘Precisamos falar sobre o Kevin’, os Estados Unidos se vêem novamente diante de um massacre de civis durante a sessão de pré-estreia de Batman The Dark Knight Rises. O que uma coisa tem haver com outra? Tudo. O filme é uma adaptação do livro homônimo, escrito pela romancista e jornalista Lionel Shriver. Ironicamente, Shriver havia escrito sete romances antes de escrever ‘We Need to Talk About Kevin’ em 2003. Apesar do nome constumamente masculino: ‘Lionel’, ela nasceu Margaret Ann Shriver.

A adaptação para o cinema foi magestral. Lynne Ramsay tem apenas dois outros longas na sua carreira: ‘O Lixo e o Sonho’ (Ratcatcher de 1999) e  O Romance de Morvern Callar (Morvern Callar de 2002), mas parece que é só o começo de uma carreira muito promissora. Anote: Ramsay em um futuro breve estará entre as indicações de um Oscar. Falarei mais sobre ela na seção Spoilerando no finalzinho do post. É o segundo filme que assisto com Ezra Miller recentemente, o outro é Bastidores de um Casamento onde ele também faz um papel excelente, acho que o moleque promete.

Sinopse

Eva (Tilda Swinton) mora sozinha e teve sua casa e carro pintados de vermelho. Maltratada nas ruas, ela tenta recomeçar a vida com um novo emprego e vive temorosa, evitando as pessoas. O motivo desta situação vem de seu passado, da época em que era casada com Franklin (John C. Reilly), com quem teve dois filhos: Kevin (Jasper Newell/Ezra Miller) e Lucy (Ursula Parker). Seu relacionamento com o primogênito, Kevin, sempre foi complicado, desde quando ele era bebê. Com o tempo a situação foi se agravando, mas mesmo conhecendo o filho muito bem, Eva jamais imaginaria do que ele seria capaz.

Ficha Técnica

Título Original … We Need to Talk About Kevin
Gênero … Drama
Duração … 110 min
Lançamento … 2011
Direção … Lynne Ramsay
Roteiro … Lynne Ramsay baseada no livro de Lionel Shriver
Nacionalidade … USA/Reino Unido

Elenco

Tilda Swinton como Eva
John C. Reilly como Franklin
Ezra Miller como Kevin adulto
Jasper Newell como Kevin criança

Como sempre, se você já viu o filme, continue o post e saiba mais sobre o filme e minhas opiniões particulares…

Spoilerando

Precisamos Falar Sobre o Kevin é um excelente título, com uma enorme capacidade de síntese, sem ser um spoiler. Não conhecia o livro, mas tenho absoluta certeza que não poderia ter melhor adaptação para o cinema. A desconhecida Lynne Ramsay é incrivelmente talentosa, me fez lembrar Stanley Kubrick em alguns momentos. A simetria nos enquadramentos e as ótimas e repetidas cenas onde a cor vermelha fica extremamente evidenciada, sempre remetendo a cor de sangue, dando uma densidade para a história sem mostrar nenhuma cena de violência é genial.

Tilda Swinton faz uma atuação que mereceria um Oscar para marcar seu papel neste filme, apesar dela já ter uma estatueta por outra participação especial como Melhor Atriz Coadjuvante no incrível filme Conduta de Risco (Michael Clayton de 2007), que recebeu outras cinco indicações, ao lado de George Clooney. A beleza exótica de Swinton lhe ajuda a percorrer facilmente inúmeras facetas dentro da mesma personagem. Ela consegue ser a mulher sensual, consegue ser a mãe, consegue ser a mulher fisicamente abatida e marcada pelo passado, tudo em fração de segundos, o que é extremamente importante para a forma que a história é contada, com duas linhas de tempo em direções contrárias.

Apesar das inúmeras representações sobre o filme, seus significados e motivações, acredito que existam muitas reflexões, pequenas ou grandes que possam ser feitas. Após um massacre como tantos que já presenciamos como: Columbine, Realengo e o mais recente em Aurora no Colorado, durante uma sessão do novo filme do Batman, a imprensa sempre tenta apontar e vasculhar as motivações do crime: problemas familiares, traumas de infância, abuso sexual, bulling na escola ou apenas disturbios mentais. Acho que o filme mostra de forma muito inteligente que na maioria das vezes, não existe qualquer explicação óbvia ou sistemática. Não acredito que alguém possa se tornar um assassino desproposital. Uma pessoa pode ser levada a matar alguém por um impulso, vingança ou ódio, mas fazer isso sem um alvo especificamente dificilmente pode ser justificado por uma circunstância isolada.

Ao menos no filme, Kevin era nitidamente uma criança diferente desde o princípio. Suas atitudes de fato foram apenas aumentado a gravidade com o passar do tempo. Inicialmente era a implicância com a mãe ou com o pai, no que poderia parecer apenas birra infantil, mas que já possuia motivações mais profundas. Jasper Newell fez um ótimo papel como Kevin quando criança, com um olhar perturbador a todo instante. Ezra Miller já faz um Kevin adulto extremamente dissimulado, com cenas repugnantes como no momento em que a mãe lhe flagra no banheiro se masturbando e ao invés do constrangimento normal que afetaria qualquer pessoa, ele continua o ato e ainda fita a própria mãe, fazendo com que ela se sinta constrangida em seu lugar, mais uma demonstração de sua dissimulação. Nitidamente você percebe uma personalidade estranha, andrógena, onde sua sexualidade não fica evidente, nem hetero e nem homosexualismo, certamente uma pessoa que apreciaria formas de sexo onde exista sofrimento e humilhação.

Enquanto Eva remonta seu passado em busca de algum significado ou culpa, o espectador também tenta encontrar na personagem motivações que possam ter moldado a personalidade de Kevin. Uma rejeição no início da maternidade, quando Eva se incomodava demais com os choros do bebê? Não tem quem não julgue Eva na cena em que diante do barulho ensurdecedor de uma obra na rua que abafa o choro de seu bebê, Eva solta um suspiro de alívio. Não tem quem não julgue a impaciência de Eva diante das atitudes de falta de limites imposta à Kevin, pela superproteção do pai. Mas seria motivo para transformar uma pessoa ‘normal’ em um assassino? Muito provavelmente não, ou então estaríamos repleto deles. Problemas familiares podem ser traumáticos, mas a forma com a qual lidamos com estes traumas nos divide entre perturbações e patologias.

A motivação de Kevin não poderia ser explicada de fato, como um diagnóstico preciso, mas a sensação que ele sente ao ter seu plano concluído com êxito foi perfeitamente representado com os aplausos e critos frenéticos que só um astro do rock ouviria ao entrar no palco. Além deste detalhe fantástico, as cenas em que Kevin passo a passo vai realizando seu plano macabro, segue a precisão de uma sinfonia, onde cada nota musical é milimetricamente elaborada, nos mostrando a premeditação minuciosa que ele deveria ter para que nada saísse errado.

Neste turbilhão de sentimentos, emoções e memórias, a pergunta sem resposta: Por quê? Nem mesmo Kevin soube responder. No encontro das duas linhas temporais, iniciando uma terceira, nos vemos diante da banalidade da vida, onde nada pode ser feito para alterar o passado e muito provavelmente não poderia ter sido feito para alterar o futuro.

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